Em Setembro de 2019 concluímos uma aventura de 38 km durante 4 dias de trilhas no meio da floresta na ilha de Vancouver, costa oeste do Canadá. Essa jornada conta com centenas de subidas, decidas, pontes maravilhosas no meio do nada, praias incríveis, riachos, grutas, dormir na praia em meio a uma tempestade, dar de frente com uma puma de noite, pular cocô fresco de urso e muito mais. 

Se você adora acompanhar este tipo de assunto, adora trilhas, ou tem o sonho de realizar algo parecido aproveite cada parágrafo, pois vamos contar não só o que aconteceu, mas também todos os aprendizados que tivemos durante o planejamento e execução.

O parque províncial Juan de Fuca

Uma província no Canadá é como um estado no Brasil, uma região territoríal dentro do país com administração governamental própria.

Juan de Fuca é um parque administrado pela província da Colúmbia Britânica (British Columbia) com fundação em abril de 1996, tem área total de 1.528 hectares e oferece uma trilha selvagem de 47 KM no total com sua maior extensão por dentro da floresta, partes em costa rochosa e alguns trechos pela praia. A trilha se mantém o tempo todo próximo a costa, podendo visualizar ou ouvir o mar em quase toda sua extensão.

O parque somente é acessível pelo mar via balça, com trajeto de 5 horas saindo de Vancouver, ou via transporte aéreo que no caso é um pouco mais rápido.

As trilhas são classificadas e dividas pela administração do parque como moderada, difícil e a mais difícil. Acredite, a classificação é bem justa e este tipo de travessia deve ser feita com muito planejamento e cuidado. Existe diversas tragédias ocorridas neste local e infelizmente na maioria por pessoas que subestimaram os avisos das autoridades. Sempre respeite o poder da natureza, prepare para o pior e sempre saíra bem da situação.

Visualização do mapa das trilhas no parque provincial Juan de Fuca – BC – Canadá. Baixe o mapa oficial em alta qualidade de impressão clicando aqui.

Link oficial do parque: https://bcparks.ca/explore/parkpgs/juan_de_fuca/

Nosso planejamento

Começamos nosso planejamento aproximadamente 8 meses antes da data programada, o que nos deu tempo suficiente de pesquisar mais sobre o local, acompanhar o clima, revisar nossos equipamentos e comprar algo se fosse necessário.

Rota e itinerário

Durante nosso planejamento descobrimos que do km 37 até o 47 a trilha tinha sido interditada devido à um urso que não queria sair do local, as autoridades então isolaram a área e deixaram o bixinho curtir o espaço. Bem vindo ao Canadá!

Assim, tivemos que decidir a rota se iríamos começar do km zero e ir até o 37 ou ao contrário, tem muita gente que prefere o contrário pois as trilhas do km 37 até 21 são mais fáceis e deixam o trecho mais difícil para o final. Nós decidimos enfrentar a parte mais difícil no primeiro e segundo dia pois tínhamos muita energia e força, já que no final você fica muito mais exausto.  Nossa rota ficou planejada como abaixo:

Entry point Start date-time ETA Destination Distance Level Bearing (Compass)
Juan de Fuca Trailhead 5 Sept 10:30 5 Sept 14:00 Bear Beach 9 km Moderate 285°
Bear Beach 6 Sept 08:00 6 Sept 15:00 Chin Beach (Emergency Shelter) 12 km Most difficult 282°
Chin Beach 7 Sept 10:00 7 Sept 14:00 East Sombrio Beach 7 km Difficult/Moderate 302°
Sombrio Beach 8 Sept 10:00 8 Sept 12:30 Little Kuitshe 6 km Moderate 280°
Little Kuitshe 9 Sept 10:00 9 Sept 11:00 Parkinson parking lot 4 km Moderate 280°

Um detalhe importante que vai notar, nós planejamos 5 dias de trilhas com 4 acampamentos mas acabamos eliminando um dia pois estávamos animados com a trilha, então não acampamos no Little Kuitshe e conectamos direto para o Parkinson parking lot fazendo 10 km no quarto dia ao invés de 6 km.

Meu Deus, essa trilha da Bear Beach até Chin Beach é de derrubar qualquer um. Primeiro que nós não andamos nenhum momento em terreno plano, sempre subida íngrime e depois desce tudo para ter que subir novamente logo a frente. O motivo é que você fica cruzando riachos que desaguam no mar, então você sobe a montanha e anda um pouco, quando tem um riacho você desce tudo, cruza e sobe novamente. Foram 7 horas intensas, muito intensas.

Eu e a Nayara fizemos um acordo: nossa meta era andar 3 Km sem parar e descansar por 15 minutos (hidratar e comer algo), o plano funcionou muito bem. O objetivo era evitar discussões quando um estivesse mais cansado que o outro, os dois sabiam que teriam que andar 3 km antes de descansar.

Ah, já estava me esquecendo. Como a trilha acompanha a costa e o mar o tempo todo, existem várias partes das trilhas que alagam na maré alta e isso significa ficar preso no meio da mata até a próxima mare baixa. Todos os horários do itinerário foram pensados acompanhando a maré baixa para podermos cruzar todos os locais necessários. Muita gente fica presa porque não planejaram ou por não conseguir chegar na hora estipulada. Além dos que acabam pedindo socorro e o resgate tem que ir buscar. Acontece!

Alimentação e a produção de lixo

Pronto, já tínhamos o plano da rota, a programação de horários e o rítmo com pausas para descanso. Agora era hora de programar a alimentação para nos sustentar, leve no peso e que produzisse pouco lixo, isso mesmo,  não existem lixeiras em nenhum dos pontos, o que levássemos teríamos que carregar conosco até o final.

Pensamos em latas de sopa mas elas são muito pesadas pelo alimento que oferece com sua conserva de água, além de produzir muito lixo, começamos então a pesquisar sobre alimento desidratado. Sabemos que existem aqueles pacotinhos de comidas pronta para camping, porém, não gostamos muito do sabor e gostaríamos de algo mais com a nossa “cara” e tempero.

Encontramos uma loja aqui em Vancouver que vende uma grande variedade de produtos desidratados, então compramos: tomate seco, milho, batata, pimentão, cebola, banana, uva, ovo, bacon e carne. Tudo bem leve por ser desidratado e poderíamos misturar com qualquer coisa ficando bem saudável e com nosso tempero. O cardápio acabou sendo para o jantar as verdurinhas, carne com um macarrão estantâneo (não o que vem com tempero, mais um feito de ingredientes ôrganicos e arroz). O café da manhã para mim era aveia com banana desidratada e mel e para Nayara tortilha com queijo e bacon. Como andávamos praticamente o dia todo não tinha almoço, durante o dia era só snacks para dar energia.

Equipamentos e o peso das mochilas

Nós montamos as mochilas muitas vezes antes da jornada, pesamos e revisamos com tempo para otimizar o melhor possível.

Nós dois levamos uma mochila de 65lt cada, a minha tinha 18 Kg e a da Nayara 15 kg. Depois que concluímos aprendemos que dava para ser mais leve trocando alguns equipamentos, enfim, tudo é parte da aventura e o aprendizado é um deles.

A maior lição de todas é: tenha certeza de ter uma mochila muito confortável com a ergometria muito boa para não pesar demais nos seus ombros. Se possível coloque peso na mochila e teste em uma trilha próxima da sua casa antes de ir em uma jornada longa assim. No final, descobrimos que a mochila da Nayara era ótima e distribuia o peso certinho mas a minha mesmo ajustando tudo, ainda não ficava boa. Ai meus ombros, ficaram doloridos por semanas.

Dia 01 – Da China Beach até Bear Beach – 9km de trilha

Depois de tanto planejamento chegou o grande dia, começar a aventura. Adoro ver nossas fotos no marco zero, cheirozos, limpinhos e prontos para desbravar as trilhas à frente.

Esta primeira trilha era considerada moderada com distância de 9 km. Uma mistura de sobe e desce de escadarias antigas sem fim, algumas com trechos pelo alto da costa e por dentro da floresta.

Nós chegamos na Bear Beach um pouco antes do horário programado, felizes de ter mantido o planejado no dia 1. Procuramos logo nosso cantinho e montamos acampamento. Em todas as praias existem marcas de até onde a maré vai para que você se mantenha na área seca. É permitido fogueira  somente na praia, não na floresta. (A não ser que seja em caso de emergência)

Nosso camping no primeiro dia com firepit de pedra.

Depois do jantar paramos um pouco para assistir o show da natureza, o pôr do sol, e aproveitar para descansar pois o próximo dia era o trecho mais difícil de todos. Lemos muitos comentários de pessoas que desistiram no caminho.

Essa é uma foto da Nayara na China Beach bem no comecinho da trilha. Não se aguentou e foi balançar.

Dia 2 – Da Bear Beach até Chin Beach – 12km de trilha

Lembram da nossa carinha e limpeza no marco zero? Oh boy, acabou tudo no início da trilha mais díficil do Juan de Fuca Marine Trail. Muita lama, muita subida e descida incluindo algumas com corda.

Antes de partirmos para essa aventura a Nayara chegou em casa com um par de trekking poles (bastões de caminhada) para cada, eu logo pensei “que negócio para velhos” não vamos precisar. Como eu estava errado e sou grato por essa pequena aquisição. Eu não cresci em região de montanha e nem tão pouco com muita lama, sou de Goiânia onde faz 30° (Celcius) praticamente 11 meses do ano com muito terreno plano, então não era comum usar na minha região.

Os trekking poles não é ítem opcional para este local, é EXTREMAMENTE necessário para evitar lesões nos joelhos e para equilibrar nas partes de lama.

A cada parte da costa tínhamos que descer tudo que antes subimos para cruzar pequenos riachos e fontes de água que desaguam no mar. É muito escurregadio e perigoso, patinamos várias vezes.

Chegando próximo ao nosso destino no dia 2, a Chin Beach, paramos para conhecer o abrigo de emergência no alto da costa. Uma cabana de madeira com algumas beliches. Não é permitido utilizar à não ser em caso de uma emergência.

A chegada é sempre um sentimento de alegria com alívio (ufa, vamos descansar). Levamos um pouco mais de 7 horas para concluír todo o trajeto e eu estava pensando só em sentar e comer. Nossa eu estava com muita fome nesse dia, sim eu comi vários snacks mas queria algo mais pesado e quente.

Nós chegamos, montamos acampamento, jantamos e já dormimos. Nem esperamos escurecer de tão cansados. Uma bela dose de whisky e barriga cheia não tem pra ninguém.

Dia 3 – Da Chin Beach até East Sombrio Beach – 7km de trilha

Pronto, já passamos a trilha mais díficil no dia anterior e saber que as próximas são mais fáceis da um sentimento bom. hahaha

Saímos cedinho no horário programado em nosso planejamento e seguimos para o dia 3 com 7 km à nossa frente.

Durante a travessia nós encontramos pontes como essa, o que evitava descermos a costa novamente para cruzar um riacho. Eles construíram essas apontes nos riachos com correnteza para evitar o pior.

Pela manhã nós andávamos na praia procurando o marco de km para voltamos à trilha na floresta, alguns eram bem difícieis outros mais fáceis. Nos marcos difíceis nós tivemos que tirar a mochila das costas, jogar e depois subir.

Essa praia parecia uma miragem de longe e nunca chegava, falávamos estamos perto mas andávamos andávamos e nunca chegava.

Novamente paramos para ver o espetáculo da natureza com o pôr do sol mais bonito que já vimos até hoje. O céu ficou laranjado com um tom bem forte por horas.

Dia 4 – Da East Sombrio Beach até Parkinson parking lot – 10km de trilha

Como descrevemos em nosso planejamento, era para acamparmos mais uma noite no Little Kuitshe Creek, mas nossos corpos já acostumaram com o esforço e sinceramente eu já estava cansado de comer comida de trilha. Eu só pensava em uma bela e gigantesca caneca de cerveja gelada e um belo de um sanduiche, então decidimos eliminar um dia extra e seguir a trilha até onde estava nosso carro, o Parkinson parking lot.

Quando havistamos o marco de 37 km ficamos tão felizes, porém, note a diferença de energia da Nayara e minha. hahah

Na minha cabeça eu pensava “Que alívio, vou tomar cerveja.” e a Nayara “Denovo!”.

Do marco 37 Km até o carro tem 1 km a mais, concluíndo 38 km no total.

Chegamos em nosso carro que estava intacto, entramos e seguimos para o hotel. Lembram que estávamos em uma ilha e não em nossa casa em Vancouver? Então, decidimos ficar 2 noites na ilha para descansar e curtir o local. Eu amo a Ilha de Vancouver, é linda e tem uma energia ótima.

Assim terminou nossa aventura e já estamos planejando a próxima que é de 70 KM. Qual você acha que é? Dica: também fica na ilha de Vancouver.